Temperamentos não têm comprovação científica. Nem o amor tem. E ainda assim, ambos movem o mundo.
Vivemos na era da autoridade da prova. Aquilo que não pode ser pesado, quantificado, repetido ou demonstrado estatisticamente é descartado com arrogância. A cultura contemporânea rendeu-se ao império do método científico não apenas como técnica, mas como critério absoluto do que pode — ou não — ser considerado real. Esse fenômeno, que muitos ainda tomam como avanço racional, é, na verdade, um empobrecimento brutal da inteligência humana.
Sob a ótica dessa nova ortodoxia, os quatro temperamentos — estruturas simbólicas e perceptivas da alma humana estudadas por milênios — tornaram-se sinônimo de “pseudociência”. Não há comprovação empírica, dizem. Não há base neurocientífica. Nenhuma revista indexada os legitima. E assim, apagam-se com um clique séculos de observação, experiência e refinamento antropológico.
Mas o que, afinal, significa “comprovação científica”? Significa apenas que algo foi observado sob condições controladas, repetido em ambiente artificial, e exposto a métodos padronizados de análise. Isso, embora valioso, não é sinônimo de verdade — é apenas uma modalidade de verificação. E é justamente essa confusão entre método e realidade que torna o discurso cientificista não apenas limitado, mas profundamente destrutivo.
Segundo Olavo de Carvalho, um dos últimos pensadores a enfrentar essa doença com lucidez, a modernidade cometeu um erro fatal: trocou o conteúdo pelo método. O conhecimento deixou de ser um contato real com a verdade — e passou a ser apenas um conjunto de técnicas operacionais que reproduzem resultados. O que não cabe nessas técnicas é chamado de “subjetivo”. E o “subjetivo” passou a significar “descartável”.
Desse modo, a alma deixou de ser considerada uma realidade. Passou a ser “estado emocional”, “atividade cerebral”, “resposta hormonal”. O mistério interior do homem — que sustenta tudo o que há de humano na história — foi reduzido a ruído estatístico. O amor virou um coquetel neuroquímico. A oração, um truque evolutivo. A vocação, um reflexo social. E os temperamentos… uma superstição medieval.
Mas isso não impede que eles continuem a agir. Quem convive com seres humanos de verdade — fora dos laboratórios, dos relatórios e das universidades — sabe que há ritmos profundos na alma que não obedecem à razão estatística. Um filho é visceral e irascível, outro é reflexivo e sensível. Um aluno é extrovertido, mas inconstante; outro é constante, mas introspectivo. Essas disposições não são doenças, nem desvios — são estruturas reais da alma humana, presentes desde a infância e reconhecíveis por qualquer olhar não doutrinado.
A sabedoria antiga dos temperamentos — colérico, sanguíneo, fleumático e melancólico — jamais pretendeu ser ciência no sentido moderno. Ela era, e ainda é, uma linguagem simbólica para interpretar a alma humana em sua riqueza invisível. Uma forma de perceber não o que o outro faz, mas de onde vem seu gesto. Um modo de amar melhor, de escutar com mais clareza, de discernir com mais compaixão.
É claro que os temperamentos não são exatos. Nem o amor é. Nem o perdão. Nem a beleza. Nenhum deles pode ser provado em laboratório. Nenhum deles resiste ao método estatístico. E, ainda assim, são eles que sustentam as civilizações.
Talvez a pergunta que devêssemos fazer não seja: “por que os temperamentos não têm comprovação científica?”
Mas: “o que a ciência perdeu quando decidiu que só existe o que pode medir?”
Enquanto essa pergunta não for respondida com humildade, a alma humana continuará sendo rebaixada a objeto de laboratório. Mas há algo que resiste. Está nas mães que conhecem seus filhos sem precisar de diagnósticos. Nos mestres que entendem seus alunos antes das palavras. Nos amigos que veem por trás do rosto o que ninguém mais vê. E nos que ainda têm coragem de dizer:
nem tudo o que não se prova é mentira.