O SOFRIMENTO por si NÃO muda ninguém

Há quem pense que a dor é uma escola infalível, um mestre severo que educa, uma espada que forja. Mas isso é um engano perigoso. O sofrimento, por si só, não muda ninguém. Pode até endurecer. Pode até destruir. Pode, inclusive, corromper o que ainda restava de ternura em alguém.

Há pessoas que sofreram — e se tornaram más. Outras, que sofreram — e se tornaram santas. Qual é a diferença? A dor era a mesma. O que as distinguiu foi o que fizeram com ela.

Viktor Frankl, neuropsiquiatra austríaco e fundador da Logoterapia, que sobreviveu ao inferno concreto dos campos de extermínio nazistas, viu homens roubando pão dos fracos, agredindo os moribundos, traindo companheiros por um minuto a mais de vida. Mas também viu homens que, mesmo desnutridos, dividiam sua última migalha com quem tinha menos. Não era uma questão de resistência física. Era algo anterior. Uma força oculta. Uma decisão da alma.

Frankl descobriu, em meio ao horror, que o que transforma o sofrimento não é a dor em si — mas o sentido que o sofredor dá a ela. Aquele que encontra um “para quê” vive, ainda que morra. Aquele que perde o “porquê” já está morto, mesmo respirando.

Imagine uma mulher que perde o filho pequeno. Uma dor insuportável, insana, animal. Ela pode se fechar num quarto escuro e deixar que o ódio a consuma. Mas ela pode, também, abrir um abrigo para crianças abandonadas e transformar a sua ferida em pão para outras vidas. O mesmo sofrimento. Duas escolhas.

Ou então um pai que foi traído pela esposa e abandonado pelos filhos. Ele pode vagar pelas noites procurando vingança. Ou pode sentar-se com outros homens quebrados e recomeçar sua vida com humildade e serviço. A dor não muda ninguém — a resposta à dor é que transforma.

Sofrer, todos sofreremos. Mas sofrer com consciência, com liberdade interior, com amor, com fidelidade a um bem maior — isso é que santifica. Isso é que cura. Isso é que nos faz humanos em meio à barbárie.

A dor não é professora. Ela é apenas o palco. Quem ensina é o coração que permanece fiel mesmo quando tudo desmorona. Frankl não encontrou esperança em ideias. Ele a encontrou lembrando do rosto da esposa. Não sabia se ela ainda estava viva — mas isso bastava. Porque enquanto ele amava, ele era livre. Enquanto ele amava, ele ainda era homem.

Quantas pessoas dizem: “Eu só aprendi porque sofri.” Mas nem percebem que não foi a dor que ensinou — foi a decisão que tomaram no meio da dor. Foi o gesto pequeno de não se render. Foi o silêncio da alma que escolheu amar mesmo sangrando.

A dor nos oferece um espelho. Ali vemos quem realmente somos. Alguns fogem. Outros quebram o espelho. Mas há quem olhe fundo — e veja, entre as rachaduras, o rosto de Deus.

Sofrer não nos melhora. O que nos melhora é a liberdade interior de transformar a dor em sentido, e o sentido em caminho, e o caminho em dom.

Se você sofre hoje, saiba: sua dor não é inútil — mas só você pode dar resposta a ela. E essa resposta, se for feita com amor, será semente. Mesmo que tudo ao redor esteja seco, ela pode florir em alguém, algum dia.

O sofrimento por si não muda ninguém. Mas pode ser o início da transformação mais bela — se for amado, atravessado, ofertado. Porque a dor só se torna luz quando encontra um coração que escolhe, mesmo em lágrimas, continuar amando.

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